LGBT e Segurança Pública
Toni Reis*Entre os dias 27 e 30 de agosto de 2009, em Brasília-DF, aconteceu a 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública, que teve como principal objetivo definir os princípios e as diretrizes orientadores da política nacional para o setor. O lema da Conferência foi: Segurança com cidadania: participe dessa mudança!
Várias etapas aconteceram antes da Conferência Nacional. Foram realizadas 27 conferências estaduais envolvendo 17 mil participantes. Houve 1100 conferências livres envolvendo 6800 participantes. Nós, LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais), participamos de todas as etapas em todos os estados e em várias das conferências livres.
Discutimos assuntos como a desmilitarização das Polícias Militares, o ciclo completo do policiamento, o monitoramento eletrônico, o desarmamento, a autonomia da perícia e dos bombeiros, criação da polícia penal, unificação das polícias, e outros assuntos que muitas vezes não estão na nossa pauta do dia-a-dia. Conseguimos levar nossas reivindicações a todos os grupos e constamos na síntese do caderno de propostas que as palavras orientação sexual, identidade de gênero, homofobia e LGBT apareceram com freqüência.
Em 2006, o II Congresso da ABGLT (Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais) aprovou que deveríamos participar de todas as conferências cujas temáticas afetam nossa comunidade. A Conferência de Segurança Pública é, certamente, de especial relevância, dada a violência que atinge nossa comunidade, com uma pessoa LGBT assassinada a cada 2 dias em média no Brasil pelo simples fato de ser LGBT (fonte: Grupo Gay da Bahia). Isso para não mencionar todas as outras violências e discriminações. Mesmo assim, a postura que adotamos na Conferência não foi vitimista nem se limitou ao denuncismo. Fomos propositivos, buscando incidir no debate de alternativas. Apontamos várias resoluções e ações que deveriam ser adotadas pela Segurança Pública.
Apesar de termos apenas 52 representantes LGBT na Conferência Nacional, conseguimos de uma forma muito orgânica fazer alianças com vários setores da segurança pública: polícia federal, militar, civil, bombeiros, agentes penitenciários, perícia e guardas municipais, entre outros; e com outras populações também discriminadas, como mulheres, negros/as, pessoas com deficiência, pessoas idosas, profissionais do sexo e participantes de pastorais e movimentos sociais, entre outros. Em particular, a mobilização do Conselho Federal de Psicologia contra o monitoramento eletrônico e contra a redução da idade da maioridade penal foi bastante significativa.
Esse diálogo com os outros setores foi fundamental para ampliar a incidência de nossa pauta política. O princípio que articulamos com prioridade, o princípio 11, foi o terceiro mais votado, com 402 votos. Seu texto diz que a segurança pública no Brasil deve ser “pautada pela defesa da dignidade da pessoa humana, com valorização e respeito à vida e à cidadania, assegurando atendimento humanizado a todas as pessoas, com respeito às diversas identidades religiosas, culturais, étnico-raciais, geracionais, de gênero, orientação sexual e as das pessoas com deficiência. Deve ainda combater a criminalização da pobreza, da juventude, dos movimentos sociais e seus defensores, valorizando e fortalecendo a cultura de paz".
Três das 40 Diretrizes aprovadas também contemplam a população LGBT:
*Criar mecanismos de combate e prevenção a todas as formas de preconceitos e discriminações e a impunidade de crimes por motivações preconceituosas, com os recortes em pessoas com deficiência, geracional, étnico-racial, orientação sexual e identidade de gênero.
*Instituir, construir e aumentar o número de delegacias especializadas e distritais com atendimento a grupos vulneráveis e especiais, com profissionais especialistas em crimes de intolerância social, capazes de desenvolver ações de sensibilização e capacitação continuada dos policiais para atendimento e acolhimento de vitimas, garantindo a elas e seus familiares todos os seus direitos, bem como a eficiência no programa de proteção a testemunhas e denunciantes. Para isso, se necessário, fortalecer abrigos, ações e programas de proteção a vítimas, garantindo: a implantação de comitês gestores em nível estadual e municipal de monitoramento do pacto de enfrentamento à violência contra as mulheres; a implantação das Delegacias Legais e Delegacias da Mulher nos municípios ainda não contemplados e unidades de perícia técnico-científica; realização de plantões de atendimento durante o final de semana e feriados; promoção de programas para a erradicação da intolerância e da violência de gênero, da pessoa idosa, de crimes raciais, e contra LGBT.
*Promover políticas que estimulem a construção de redes de atendimento intermultidisciplinar para grupos vulneráveis com unidades especializadas dos Órgãos de segurança pública e do sistema de justiça, com equipamentos adequados e profissionais em quantidade suficiente, dentro da filosofia do policiamento comunitário, respeitando a heterogeneidade dos diversos grupos sociais, evitando abusos e intensificando o combate ao trabalho escravo, ao tráfico de seres humanos, à exploração sexual de crianças e jovens, à homofobia, ao racismo e à violência familiar.
Além disso, dezenas de Moções foram apresentadas, mas só quatro passaram para a plenária e das quatro duas dizem respeito à comunidade LGBT: uma que pede apoio ao Projeto de Lei da Câmara nº 122/2006, que criminaliza a discriminação homo, e a outra é que as pessoas travestis e transexuais tenham seu nome social respeitado seja em toda a política de segurança pública.
Considerando que éramos apenas 52 representantes LGBT na Conferência (num total de 3 mil), conseguimos fazer com que de nossas reivindicações fossem contempladas. Neste sentido, gostaria de citar Margaret Mead, uma antropóloga americana que disse: "Nunca duvide que um pequeno grupo de pessoas motivadas e comprometidas possa mudar o mundo. Na verdade é a única coisa que o faz."
A Conferência foi um momento especial, pela sua organização, pela sua mobilização nacional e, fundamentalmente, pelo caráter democrático. Afinal, o valor do voto era o mesmo para todas, seja para travesti, coronel, prostituta, comandante, pessoa deficiente, militante do movimento negro, entre outros.
Uma das lições foi a de que precisamos convocar urgentemente o II Seminário Nacional de Segurança Pública e Combate à Homofobia da ABGLT, para que possamos discutir a intervenção de nossa comunidade na luta por uma segurança pública democrática, que respeite todos e todas, que faça cumprir o artigo 5º da Constituição Federal, que diz: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”.
O Conselho Nacional de Segurança Pública terá 12 vagas para representantes da sociedade civil e pleitearemos a participação LGBT. Estamos preparados para contribuir na construção de uma política de segurança democrática, não homofóbica, racista ou sexista. Participaremos com conhecimento e capacidade de diálogo.
Parabéns ao governo federal pela iniciativa de realizar mais essa conferência pioneira, que abriu um espaço nunca antes colocado para a sociedade civil organizada discutir com todos os setores da segurança pública.
Como disse o presidente Lula na abertura, a segurança pública é responsabilidade de todos e de todas, e nós da ABGLT e organizações parceiras, estamos juntos nessa empreitada. Queremos um Brasil sem homofobia, com igualdade de direitos. E isso só será possível com uma política de segurança pública democrática e participativa. Um passo foi dado. Agora, é continuar a caminhada.
*Toni Reis, presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, Convidado da 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública.
*Informações adicionais sobre a Conferência:
http://www.conseg.gov.br/